Os livros chegam-nos como um ponto de partida para algo a descobrir, a compreender, a pensar, a fazer, a realizar. Os livros entregam-se a nós como pontos de chegada e desse encontro dual, múltiplo permitem que nós estabeleçamos uma viagem, que nós saibamos compreender outras possibilidades, que nós consigamos articular pontos de partida. Os livros são a construção de uma leitura e têm por isso um verbo inicial essencial, ler.
Ler
é uma forma múltipla de perguntar, de encontrar algumas ideias
possíveis e é como outros verbos essenciais para esta aventura chamada
vida. Esta é no fundo a "prática (pro)activa de verbos corajosos" (1).
Verbos esses de procura, de encontro, de perigo e de conquista, como
abraçar, compreender, viver, amar, questionar. Verbos para a construção
de uma linguagem, para a utilização dos nomes e fazê-los exercitar como
um amor infindável no interior da leitura.
Primo
Lévi disse desse encontro com o indescritível, "por um momento
esqueci-me de quem sou e onde estou" e neles pareceu-lhe compreender
melhor esse espaço da Divina Comédia, essa que retrata um período e que
se alongou para outros formatos contemporâneos. Ler é assim prolongar o
momento, é fazer adiar instantes e pode na verdade salvar uma vida
humana, muitas vidas humanas, porque torna o periférico relativo e
alarga o próprio mundo.
Poderíamos
dizer que "ler é um trampolim de sonhos, uma marcha ruidosa contra o
tédio, a pequenez de perspectivas, a falta de imaginação e de
argumentos, a rotina e os excessos de realidade." (1) Ou ainda que a
leitura interefere na ideia de aceitar o real de um modo cómodo, não
reflexivo e que produz um choque capaz de incentivar a curiosidade, o
espanto, o deslumbramento, numa palavra, a imaginação.
A leitura é
assim uma actividade de construção, mas também de inquietação, de
assombro, na expressão de Pessoa, de desassossego, pois remete para
dúvidas, questionamentos, alimenta feridas e conduz esse processo de
duvidar do inaceitável, do incompreensível, do não digno. Como sugeriu
Elke Heidenreich, "quem lê reflecte, e quem reflecte forma uma opinião e
quem forma opinião pode dissidir" (2), e esta é a forma mais próxima
para a rebelião das pessoas e das ideias.
A leitura e
a sua disciplina, a Literatura são assim caminho para um conhecimento,
entre instantes, minutos de paz e momentos de desassossego. Ferramenta e
objecto de contínuas formas de sedução ela pode transformar a vida, os
minutos de cada um, numa atitude de contágio pelas ideias. Atitude
formulada na paisagem de uma frase, na atmosfera de um parágrafo e que
conduz a uma forma de vida, que é a de ter uma contínua luz acesa no
horizonte.
(1) - Do editorial, Somos Libros 3, Bertrand Livreiros, Dezembro de 2018.
(2) - Mulheres que lêem são perigosas / Stefan Bollman . Lisboa: Quetzal, 2007.

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