“Podemos combater a ignorância e a desinformação que alimenta o ódio. E podemos fazê-lo numa biblioteca pública”.
Os tempos são de uma substantiva
crise que se alarga do económico, ao social, ao cultural e ao espiritual. Uma
crise que se vislumbra em amplos sectores da sociedade e que está a conduzir-se
nos próprios fundamentos do que poderíamos chamar a decadência dos valores de
uma Nação. Crise que fez emergir um caos feito de desordem, de desregulação, de
disfunções várias. Uma crise que oblitera o essencial do que deveria ser uma
acção política virada para a comunidade, como um sentido partilhado de valores.
Crise formulada em
desrespeito pelos valores essenciais, feitos de debate sério, informado,
consciente sobre o próprio valor das pessoas e do seu contributo na sociedade.
Crise feita da ideia de que qualquer informação é credível para manter uma
posição ideológica. Uma crise feita sobre a decadência do conhecimento e formulada
em opiniões irreconhecíveis em qualquer construção do saber, da sua
curiosidade. A
curiosidade pelo conhecimento, pelo acto de saber termina quando se descobre
que a informação que cada um tem é diferente daquela em que se acredita. A
crise que vivemos alicerça na ideia de que as nossas convicções são as únicas
possíveis e que elas estão absolutamente certas. Por isso não se toleram ideias
alternativas ao que cada um pensa, ao que institucionalmente se define como o
certo. Não existe pois pensamento alternativo.
O caminho por aqui
definido é perigoso e destrói o essencial do que significa a democracia. Este
processo de caos em que nos encontramos impede que o sistema político e a
sociedade sejam constituídos por cidadãos informados, por pessoas que sentem a
curiosidade como forma de partilhar uma ideia colectiva sobre o futuro. Impede
que cada um se sinta responsável por defender os valores que animaria uma
sociedade feita da aceitação do outro. Para isso seriam precisos processos que
abandonámos, Aceitação, Discussão, Debate, Igualdade, Oportunidade. Sem eles,
sem o exercício da razão baseada em argumentos e factos sólidos que permitam a
crítica ao próprio poder estabelecido não existe democracia.
É pois preciso uma acção capaz de
mudar esta situação. Como sempre, qualquer mudança global implica uma
transformação local. O que significa que é em cada um de nós
que a mudança e o processo deve ocorrer. Como? Mantendo a capacidade de sermos
informados, de sermos curiosos, de aceitar que sabemos pouco sobre muitas
coisas e que é necessário que sejamos uma comunidade feita de diferentes
perspectivas. Apenas assim se combate a ignorância e a desinformação, que são o
alimento do ódio.
É preciso um sentido comunitário, de
convivência com os outros, com os que nos rodeiam. E podemos fazer mais. Ler um
jornal ou ver programas informativos em diferentes canais. Podemos estabelecer
um diálogo com as pessoas que conhecemos e que têm um sentido diferente da
escolha política e iniciar uma discussão, propor uma reflexão. Podemos ouvir.
Fazendo isto e tentando entender melhor a opinião dos outros o mundo, poderá ser um lugar melhor.
E existe algo mais
que todos podemos fazer. Podemos ir a uma Biblioteca, obter um librarycard e
iniciar uma viagem para fortalecer a democracia. Podemos fazer da Biblioteca um
lugar de encontro com vizinhos e conhecidos. Podemos encontrar livros e
estabelecer uma rede de informação para melhor conhecer um assunto. Podemos
fazer da Biblioteca um espaço de reconhecimento da própria comunidade. Podemos
ir e visitar esse espaço e podemos recomendá-lo a diferentes pessoas. É por
demais evidente que existem enormes benefícios de uma interacção com a
comunidade e de ler por prazer. Recordemo-los.
O estar sentado num espaço tranquilo
feito de silêncio. O conhecer os espaços de uma Biblioteca Pública. O estar em
contacto com uma ideia visual de ver pessoas procurando livros, lendo, tomando
notas e aprendendo. Pessoas de diferentes espaços sociais e culturais estão sentadas
juntamente, aprendendo juntas e falando umas com as outras. A Biblioteca
concede esse encontro especial de ver que todos, de diferentes cores e
nacionalidades se juntam com iguais oportunidades para aceder ao conhecimento e
à informação. Tudo é gratuito e livre no melhor sentido das coisas. Num mundo
isolado, onde é tão fácil criticar e desrespeitar os outros no anonimato da
internet, as bibliotecas são um oásis propiciadores de um ambiente calmo e de
comunidade. Elas são templos de conhecimento que dão as boas vindas a todos e
dão substância espacial a todas as comunidades de um país.
Estamos no momento a
viver um período na História, em que se não podemos estar juntos, se não
podemos aprender uns com os outros, se não nos podemos respeitar mutuamente,
então não teremos nenhuma democracia. A biblioteca pública está a desenvolver o
seu papel para proteger e manter a nossa democracia. Ela está em cada
comunidade, na linha da frente para ajudar a esse papel de conceder o acesso à
informação, de promover competências de aprendizagem e de cidadania. A
Biblioteca está consciente desse importante papel e orgulhosa de o realizar.
Por isso em 2019,
seria muito bom que cada uma fizesse uma resolução contra a escuridão e a
ignorância. Visitar regularmente uma biblioteca, utilizar o seu catálogo, o seu
variado fundo de recursos. O nosso futuro, ou os caminhos do que seremos como
nação depende muito disso.
Anthony W. Marx, New York Public Library. 01.01.2019 (via https://www.salon.com/)

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