Biblioteca imaginária já o tínhamos dito, é aquilo que cada um é, o vivido e o sonhado, o combatido e o criado. Biblioteca Imaginária foram todos os leitores que procuraram criar um mundo pessoal em alternância a um outro, ou tão só construir uma inspiração para esse feito de uma banal regularidade. De todos os leitores que criaram ou tentaram fazer dos livros e das palavras uma forma de transformação do mundo e da vida, as mulheres foram as que mais procuraram, as que mais tentaram ir de encontro a essas possibilidades pelas palavras. E é enigmático que o tenham sido numa civilização fundada no Livro e construída em redor do poder masculino.
Essa
procura da palavra escrita pelo público no feminino talvez nos conceda
uma explicação por uma certa procura pelas histórias, esse romantismo
das palavras em dias incertos. E , as palavras estão reunidas nesses
temas que nos abraçam pela alegria ou pela angústia, como o são o Amor, o
Tempo, o Medo e a Morte. É na linguagem que eles se encontram em nós.
Os livros e as palavras sempre incomodaram o pensamento unitário, os
caminhos únicos. A Inquisição e as fogueiras que se seguiram existiram
sempre mais mulheres e livros que homens.
Assim
anunciou-se há muitos séculos esse perigo eminente que eram os livros e
os seus leitores, o conhecimento e a coragem. É verdade que nos homens a
palavra é muitas vezes desprezada. Basta pensar no mundo dos políticos,
as palavras para todo o engano. Algumas vezes isso também tem
acontecido com as mulheres e, principalmente pela propagação do sistema
de poder ao utilitarismo ideológico. Fiquemo-nos pela incineração dos
livros que tantos admiraram como se isso matasse as ideias lá inscritas.
A leitura
foi pois durante muito tempo uma actividade pouco tolerada. A leitura
traz-nos a reflexão, a possibilidade de formular uma opinião, a
possibilidade de ser um dissidente da realidade social e política. Numa
palavra um leitor pode aceder a essa altura única que é a de poder ser a
voz que incomoda a maioria e os seus privilégios.
A leitura
progrediu muito a partir do momento que as tertúlias e os cafés
divulgaram uma nova forma de sociedade. Essa sociedade burguesa que com o
tempo desdenharia dos livros, pois a sua composição de boçalidade não
se adequava à representação e à linguagem de vida. Sobre esse valor
único do livro, transformador e mágico disse-o Guy Montag nessa obra de
referência, Fahrenheit 451, " um livro é uma arma carregada na casa ao
lado. Queima-se. Tira-se a bala da arma. Abre-se uma brecha no espírito
do homem."
Imagem: Copyright, Peder Severin Kroyer, Roseiral, 1893, Fine Art Society, Londres, Bridgeman Giraudon.

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