sexta-feira, 22 de março de 2019

Leitores

A leitura aproxima-nos de universos desconhecidos, formula possibilidades às interrogações que o conhecido nos coloca. Seria assim possível ver nos leitores feitos de homens e mulheres o campo para uma aproximação no campo humano? Seriam os leitores como construtores de uma imaginação possíveis elementos de um entendimento sobre as dificuldades de cada um? Ou então, poder-se-ia perguntar que um leitor não tem género e que o objecto da leitura pode nos dois chegar ao coração, depois das palavras lidas? 

Pode o livro assegurar essa igualdade de género que são as palavras ditas e por isso pode a leitura construir o que Gertrud Lehnert chamou o possível encontro de almas? É um sonho belo em que seria bom acreditar. Virginia Woolf acreditava que o livro e a sua substância poderia apenas ter uma acção de transformação quando se concretizasse essa fusão, entre o leitor e o autor, como um encontro de espíritos. Aliás ela em Orlando misturou os géneros para nos dizer que essas duas possibilidades poderiam ser um encontro de algo maior do que cada um individualmente. E, nesse sentido seria uma história que no colectivo era uma história de amor. Mas, o que dizer de como eles e elas se mostram como Leitores?

Os leitores no seu sentido global foram quase sempre os que liam no feminino. Saberiam os homens mais das mulheres se lessem Sylvia Plath, ou Carson MacCullers, ou Virginia Wolf?
Saberiam as mulheres mais dos homens se lessem Hemingway, ou Capote, ou Faulkner, ou  Balzac? No essencial as mulheres já o fizeram numa expressão íntima da leitura. Leram mais e de modo diferente, o que ainda fazem. As mulheres, ao serem grandes leitoras já fizeram essa identificação entre homem e mulher, herói e heroína, entre leitora e autor ou autora. Parece consensual que as mulheres amam os homens que lêem, mas o contrário parece pouco credível.

A leitura conjunta entre homens e mulheres é rara. Parece ser pouco prático, parece um perigo. A história de Francesca e Paolo relembra-nos desse perigo, quando os próprios relembram o episódio de Lançarote.  Essa leitura conjunta conduziu-os ao Inferno, como o expressa Dante na sua A divina Comédia. A leitura é um processo individual, mas quem se ama gosta particularmente de ler no outro o seu amor, como se fosse um livro, uma aprendizagem e uma construção emotiva. Um leitor aprecia os seus livros, como um amante aprecia os beijos de quem ama.

Imagem: Copyright – Anselm Feurbach, Paloe Francesca, 1864, Schack-Galerie, Munique.
Fonte: Elke Heidenreich, “Do perigo de as mulheres lerem demasiado”, in Stefan B0llmann, Uma história da leitura desde o século XIII ao século XXI, Círculo de Leitores, Lx: 2005.

Sem comentários:

Enviar um comentário