sexta-feira, 19 de abril de 2019

Leitura e sociedade...

Leitura e sociabilidade podem-nos dizer que por aquela se construíram a construção de uma personalidade. A educação do indivíduo, forma de elaboração de uma individualidade capaz de assegurar uma comunidade participada fez-se em determinados tempos por essa dupla construção, a de uma personalidade e de uma liberdade. A arte tentou dar-lhe um sinal na leitura do feminino com a reprodução de corpos desnudados no melhor dos sentidos.

Justamente alguém capaz de se oferecer à leitura, integralmente, absorvendo as palavras, conduzindo-se por imagens a reconstruir em si, alimentando um coração, uma vida. E encontrar no autor essa criação que o leitor assume em múltiplas perspectivas para si criando essa fusão no espírito das ideias e nas faculdades do próprio leitor. Leitura feita como um amor a preservar para algo maior em que se fundamenta a vida e que importa continuar a construir, em abnegação e em virtude. Deste jogo do espírito feito pelos livros nasce, ou pode nascer uma coragem dada por uma confiança do que se apreendeu. 

E, mais do que a vida é nos livros que se persiste a aprender e a encontrar possíveis. Há quadros na arte que nos dão essa procura e esse encontro, como se o mundo dependesse na sua verdade e inteligibilidade desse momento de leitura. O quadro é de Harald Metzkes e o que é extraordinário nele é a forma como o corpo de uma mulher se debruça sobre a leitura. Ela está sentada a uma janela, de onde se observa um fundo de paisagem natural sem identificação de pessoas. Ela está junto à janela numa atitude de apreensão do que lê. O dia parece estar a clarear, mas a leitura parece conduzir toda a sua acção. 

O quadro revela-nos essa postura de dar às palavras a possibilidade de um conhecimento e de uma fuga, mas também concede algo de revolucionário. Justamente a crença de que nas palavras pode estar a esperança para algo novo, diferente no real, e, nesse sentido é o próprio desafio ao destino que ela revela. Mudará alg0? 

Isso não é importante, pois a leitura neste caso é a ferramenta para a construção de uma força interior. Nada mais decisivo para a formação de cada um e para a respiração da sua vida. E saber que é nessa esperança, nessa perigosa esperança que a vida se pode construir uma liberdade, essa fragrância que muitos ainda não têm.

Imagem: Copyright – Harald Metzkes, Mulher a ler à janela, 2001, Galeria Leo Coppi, Berlim.
Fonte: Elke Heidenreich, “Do perigo de as mulheres lerem demasiado”, in Stefan B0llmann, Uma história da leitura desde o século XIII ao século XXI, Círculo de Leitores, Lx: 2005.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Escrever...

começas a sorrir
todo agitado
por dentro
enquanto as palavras saltam
dos teus dedos
para as teclas
e é como um
sonho de circo:
tu és o palhaço, o domador de leões
és o tigre
és tu próprio
enquanto
as palavras saltam
através de arcos em chamas,
e fazem triplos mortais
de trapézio em
trapézio, e
abraçam o
Homem-Elefante
enquanto
os poemas continuam a surgir,
um a um
escorregando para
o chão,
e tudo vai na esgalha e bem;
as horas passam
e logo
acabaste,
vai até ao quarto,
atira-te para cima da cama
e dorme o sono dos justos
aqui na terra
por fim, a vida perfeita.

a poesia é o que acontece
quando nada mais
pode.

Charles Bukowski, “Writing”, in New Poems Book Three, 2004, London, Virgin Books.
Imagem: Copyright - HarperCollins Publishers