quinta-feira, 9 de maio de 2019

O prazer da leitura (I)

 A leitura será sempre uma viagem a transportar-nos entre nós e o mundo, entre nós e amplos mundos. Viagem feita de conhecimento, de descoberta e prazer. Viagem a sobrepor-se ao espaço físico, ao tempo emerso no real de cada um.  A leitura é tudo isto, mas aquilo que a tornou de um certo modo mais pertinente a alguns leitores, foi o prazer que ela podia albergar, que esse podia ser o seu móbil mais decisivo.

Foi o século dos iluministas que encontrou essa possibilidade. Esse prazer relacionou-se com aquilo que a sociedade burguesa haveria de designar os prazeres da vida privada. Essa ideia que também foi designada no título de um quadro do século XVIII, justamente de Jean-Siménon Chardin apelava mais ao espaço de lazer, de fruição no quotidiano, do que do prazer. Falemos dele.

O quadro de Chardin falava sobretudo de uma forma de disfrutar lazer, como tempo do quotidiano. O quadro mostra-nos uma mulher sentada de um modo muito confortável numa grande poltrona e que segura no seu colo um livro. Ao fundo do quadro encontramos objectos diversos, uma mesa com roda de fiar, uma terrina e um espelho e um armário com a porta entreaberta. Os elementos do quadro dão-nos então os sinais de uma vida privada, não necessariamente de um prazer no quotidiano. As cores da mulher são muito mais vivas que o do resto do espaço habitado. A cor terá aqui a função de separar as ideias de prazer e lazer?

No quadro o livro aparece-nos a dizer que este momento é apenas um entre outros dedicado a outras tarefas. Não existem testemunhas que interrompam o momento, ou que solicitem algo, que habitem o espaço. Ela também não está a ler, parece apenas meditar em algo lido. Não existe um ponto de referência para essa leitura, ela parece vaguear em algo que nós não conhecemos e o seu olhar talvez seja só o efeito dessa leitura, o momento em que ela cria uma imagem do mundo, a sua. E é isso que faz um grande leitor, o momento para a criação das imagens que a leitura permitiu realizar.

Imagem: Copyright – Jean-Siménon Chardin, Os prazers da vida privada, 1746, Museu Nacional de Belas-Artes da Suécia, Estocolmo.
Fonte: Stefan Bollmann, “Uma História da leitura, do século XIII ao século XXI”, Círculo de Leitores, Lx: 2005.

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