quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Os livros e a leitura

Os livros chegam-nos como um ponto de partida para algo a descobrir, a compreender, a pensar, a fazer, a realizar. Os livros entregam-se a nós como pontos de chegada e desse encontro dual, múltiplo permitem que nós estabeleçamos uma viagem, que nós saibamos compreender outras possibilidades, que nós consigamos articular pontos de partida. Os livros são a construção de uma leitura e têm por isso um verbo inicial essencial, ler.

Ler é uma forma múltipla de perguntar, de encontrar algumas ideias possíveis e é como outros verbos essenciais para esta aventura chamada vida. Esta é no fundo a "prática (pro)activa de verbos corajosos" (1). Verbos esses de procura, de encontro, de perigo e de conquista, como abraçar, compreender, viver, amar, questionar. Verbos para a construção de uma linguagem, para a utilização dos nomes e fazê-los exercitar como um amor infindável no interior da leitura.

Primo Lévi disse desse encontro com o indescritível, "por um momento esqueci-me de quem sou e onde estou" e neles pareceu-lhe compreender melhor esse espaço da Divina Comédia, essa que retrata um período e que se alongou para outros formatos contemporâneos. Ler é assim prolongar o momento, é fazer adiar instantes e pode na verdade salvar uma vida humana, muitas vidas humanas, porque torna o periférico relativo e alarga o próprio mundo. 

Poderíamos dizer que "ler é um trampolim de sonhos, uma marcha ruidosa contra o tédio, a pequenez de perspectivas, a falta de imaginação e de argumentos, a rotina e os excessos de realidade." (1) Ou ainda que a leitura interefere na ideia de aceitar o real de um modo cómodo, não reflexivo e que produz um choque capaz de incentivar a curiosidade, o espanto, o deslumbramento, numa palavra, a imaginação.

A leitura é assim uma actividade de construção, mas também de inquietação, de assombro, na expressão de Pessoa, de desassossego, pois remete para dúvidas, questionamentos, alimenta feridas e conduz esse processo de duvidar do inaceitável, do incompreensível, do não digno. Como sugeriu Elke Heidenreich, "quem lê reflecte, e quem reflecte forma uma opinião e quem forma opinião pode dissidir" (2), e esta é a forma mais próxima para a rebelião das pessoas e das ideias. 

A leitura e a sua disciplina, a Literatura são assim caminho para um conhecimento, entre instantes, minutos de paz e momentos de desassossego. Ferramenta e objecto de contínuas formas de sedução ela pode transformar a vida, os minutos de cada um, numa atitude de contágio pelas ideias. Atitude formulada na paisagem de uma frase, na atmosfera de um parágrafo e que conduz a uma forma de vida, que é a de ter uma contínua luz acesa no horizonte.

(1) - Do editorial, Somos Libros 3, Bertrand Livreiros, Dezembro de 2018.
(2) - Mulheres que lêem são perigosas Stefan Bollman . Lisboa: Quetzal, 2007.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Os livros

 

Os livros estão sempre sós. Como nós. Sofrem o terrível impacto do presente. Como nós. Têm o dom de consolar, divertir, ferir, queimar. Como nós. Calam a sua fúria com a sua farsa. Como nós. Têm fachadas lisas ou não. Como nós. Formosas, delirantes, horrorosas. Como nós. Estão ali sendo entretanto. Como nós. No limiar do esquecimento. Como nós. Cheios de submissão ao serviço do impossível. Como nós.

Tisanas / Ana Hatherly, [S.I.] : Carina M, 2004, 128 p. ; 21 cm

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A informação


Je crois que l´homme sera littéralement noyé dans l’ information, dans une information constante sur son corps, sur son devenir corporel, sur sa santé, sur la vie familiale, sur son salaire, sur son loisir. Ce n' est pas loin du cauchemar. Il n’y aura plus personne pour lire. Ils verront de la television.
On aura des postes partout, dans la cuisine, dans les WC, dans le bureau, dans les rues.
Il restera la mer quand même, les océans et puis la lecture. Les gens vont redécouvrir ça.
Um homme, un jour, lira et puis tout recommencera. (via ina.fr)

Marguerite Duras, 11 de Dezembro de 1985

 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O tempo das bibliotecas

As Bibliotecas conduzem um circuito de silêncio preparado desde largos confins do tempo, como uma cerimónia para novos espectadores. Fazem-no um pouco como as velhas glórias do passado, como uma pirâmide em Gizé, ou a Torre de Mangia, em Siena a olhar persitentemente para nós, para tantos nós a desfilar no horizonte. 

As Bibliotecas forram-se de esperança e ingenuidade na sugestão de possibilidades. Essa imaginação de latitudes que nos deu O Tigre da Malásia, Siddharta ou Alice no país das maravilhas. Essa fuga para um outro mundo que era O apelo da selva de Jack Lonon a mergulhar nos contrafortes do natural, ou só a sabedoria de Thoreau a contar macieiras nas margens do Walden. 

As Bibliotecas, todas elas avançam como um exército de ideias, sempre em silêncio, sempre na inocência de quem apenas quer abrir uma possibilidade. As Bibliotecas juntam as nossas memórias e quando perdemos os seus artefactos, os livros é a nossa própria história que passou a um átomo esquecido no Universo, são as nossas emoções que se volatilizaram no tempo. Os livros são nelas as ferramentas da construção de uma emoção, a frágil margem do tempo.

Imagem: Copyright - Public Library of Lima

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Ler

 Lemos as palavras, os sinais dos nomes das coisas. Lemos na paisagem os contornos das colinas, o diverso em diálogo com o aberto. Lemos com os olhos, com as cores e as formas da arte. Lemos entre o sonho e a perda, o doce e o amargo, Lemos na utopia do que procuramos compreender. Jorge Luís Borges deu-lhe a mais bela e sentida definição par esse espaço único, a Biblioteca. Defini-a assim, “Sempre imaginei a Biblioteca como uma espécie de paraíso”.    

Frase de Borges que se tornou um lema vivo, uma visão para um mundo suportado no livro, mas também em outras formas de expressão, a arte. Frase que nos indica que é necessário alimentar a imaginação, criar a fantasia para que seja possível alimentar outros territórios, ou tão só como disse Tolentino Mendonça, “encontrar Deus pelos baldios.” 

Frase para um resguardo do mundo, do barulho, do movimento, do social e onde é possível realizar a maior das aprendizagens. Essa que se torna essencial que é o de ler, ler continuadamente para um dia poder exprimir uma frase, uma história, ou só guardar a essência do real mais substantivo. A imaginação é sempre aqui uma conquista sobre o banal, sobre instante perdido em novidades sem significado.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Uma Biblioteca imaginária

Uma Biblioteca é uma composição de todas as possibilidades, daquelas que de diferentes tempos sonhámos com tudo aquilo que era possível construir, a palavra e a linguagem, o conceito e a imagem. Biblioteca Imaginária, um espaço para construir um repositório de palavras, de imagens, de ideias à sombra de utopia humanas. Se a biblioteca é o melhor lugar do mundo, como construção de uma respiração individual, como lugar acima do tempo e do espaço, em cada um existe uma ideia imaginária do que cada um pode ser. Esta é a minha Biblioteca Imaginária, os espaços das palavras, as cores do que um dia cada homem ousou ser entre a face da verdade e o signo do belo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Gafia de coral

 
 
                                                              «Ia e vinha 
  e a cada coisa perguntava
                                                                                que nome tinha.»  (1)

Grafia de coral procura ser um elogio à leitura e um louvor aos livros. Nas palavras inventamos um conjunto de caminhos, a possibilidade de descobrir sinais que se possam fundir com as linhas do universo, as margens dos rios, os sinais coloridos dos oceanos e a paisagem nómada das nuvens. Só conhecemos o que nomeamos, o que soubermos definir como um som, um signo, ou uma grafia de algo que nos absorve no real, nos espanta na imaginação pelo que queremos apontar, como um jogo de criança em tardes de assombro. 
Grafia de coral procura ser um espaço para falar da leitura como processo cultural, como aprendizagem, como sublevação de interiores para a conquista de mundos desenhados na esperança, ou no tumulto de ondas nas janelas, como as que sopram em cada um, como um vento de dias brancos. O livro é a mais bela invenção da humanidade. Neles surgem os momentos épicos de uma canção que podemos cantar, como um espaço da memória. Eles guardam os sonhos sonhados pelos que vivem aqui ao nosso lado, e pelos que nas cortinas das sombras de tempos apagados ainda subsistem pela eternidade.
Grafia de coral procura ser um espaço para falar de uma divindade, onde ainda eles estão disponíveis para o nosso consolo, como um paraíso, nas palavras de Borges. Justamente as Bibliotecas e com elas outras dimensões do livro, as livrarias e as geografias da leitura. É apenas uma dedicação com e pelos livros e, como todas as que transportam uma energia são fruto do que se ama e do que porventura se perde nessa lucidez à procura de elementos de uma geografia diversa como a humanidade.
 
(1) "Coral" , in Obra Poética /  Sophia de Mello Breyner Andresen. Alfragide: Caminho, 2010.